Um mundo para nos encaixar.

15/04/2016 00:47

 

“A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão.” Aldous Huxley

“A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.”

George Orwell

 

Refletindo sobre várias questões que rondam esses obscuros tempos que vivemos, lembrei-me de dois cânones da literatura mundial: Aldous Huxley e George Orwell e suas magníficas obras, Admirável Mundo Novo e 1984, respectivamente.

O educador e crítico Neil Postman convidado para a Feira de Livros de Frankfurt, proferiu uma palestra sobre a publicação de 1984 de George Orwell e o mundo moderno – justamente no ano da profética obra – intitulada Amusing Ourselves to Death: Discurso Público na era do Show Busines. A exposição, que foi convertida em livro, em 1985,  comparava as previsões feitas por George Orwell em 1984 e Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo. Virou best-seller.

Postman reitera que o mundo contemporâneo foi  refletido por Huxley, cujas pessoas foram oprimidas por sua dependência de diversões e que na obra de Orwell  as mesmas foram oprimidas pelo controle do Estado.

Segundo ele, ao contrário do que se diz, Huxley e Orwell não professaram a mesma coisa. Orwell alertava que nós seriamos derrotados por uma opressão imposta externamente – o Estado onipresente denominado Grande Irmão. Mas, na visão de Huxley, não seria necessária a onipresença de nenhum Big Brother para desprover as pessoas de sua história, autonomia e maturidade; segundo suas previsões, as pessoas iriam adorar a opressão imposta e as tecnologias tratariam de  desfazer sua capacidade de pensar.

Postman salienta que Orwell temia o banimento dos livros, a escassez de informações e a ocultação da verdade que nos converteria numa cultura cativa; e que Huxley previa que não existiriam razões para banir os livros, pois não haveria ninguém que os quisesse ler, que nos dariam tanto até o ponto em que seríamos reduzidos à passividade e ao egoísmo, que a verdade ficaria imersa em um mar de irrelevância até nos transformarmos em uma cultura banal, preocupada apenas com futilidades.

De acordo com Portman, George Orwell em 1984 ressalta que as pessoas são controladas pela dor que se inflige e que na obra de Huxley, Admirável Mundo Novo, as pessoas são controladas pelo prazer que lhes impõe. E ressalta que  em Regresso ao Admirável Mundo Novo, Huxley observou que os libertários racionalistas que estão sempre alertas e prontos a se opor à tirania “falharam por não levarem em consideração o quase infinito apetite do ser humano por distrações”.

Em suma, Orwell temia que aquilo que nós odiamos nos arruinaria. Huxley temia que aquilo que nós amamos nos abateria.

Neil Postman conclui que as previsões de Huxley, e nem tanto as de Orwell, estavam corretas.

A nós resta escolher: em qual mundo nos encaixamos?

 

(Os argumentos para esse texto foram inspirados pela leitura do blog Convesas no Bar -  https://conversasnobar.wordpress.com/2012/01/24/orwell-ou-huxley/)