Os Filmes de Minha Vida

13/07/2016 15:25

Comumente ouvimos relatos acerca de época que são marcadas por uma determinada música. Também há aqueles que guardam com carinho alguns livros ou filmes.

Enquadro-me nos três casos. Todavia, quero destacar os filmes. Sobretudo dois: “Casablanca” e “Paris, Texas”.

O primeiro, de 1942, dirigido por Michel Curtiz, estrelado por Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains e Peter Lorre. O segundo, de 1984, dirigido por Wim Wenders, estrelado por Harry Dean Staton, Dean Stockwell, Nastassja Kinski.

O que ambos tem em comum? Nada. Porém, para mim, muito. Fizeram-me amar o cinema ainda mais.

Assisti “Casablanca” pela primeira vez por volta dos meus vinte anos e, quatro anos depois, “Paris, Texas”.

Relembro que o cinema é uma das razões pelas quais decidi estudar Filosofia, no sentido de compreender como um cineasta é capaz de pensar determinadas coisas e transformá-las em imagens e mais, como um crítico consegue ler essas imagens e traduzi-las em lindas páginas.

“Casablanca” fora produzido e lançado durante a Segunda Guerra Mundial. Os produtores usaram como argumento que “o filme tinha política para agradar aos homens e amor para agradar às mulheres”.

Centrado na cidade de mesmo nome, no Marrocos, norte do continente africano, durante a ocupação nazista na França e seu governo colaboracionista, a República de Vichy. A Alemanha levava a melhor naquele momento da guerra. Na verdade, mais do que na cidade, quase toda a ação transcorre no fictício “Café do Rick”, propriedade de Rick Blaine, um norte-americano que viera de Paris e se instalara no lugar.

Num momento irônico da película, o Capitão Renault (Claude Rains) pergunta a Rick a razão de ter vindo para Casablanca, e ele responde: “ – Por causa da água”. Abismado, o Capitão responde : “ – Mas, aqui é o deserto”. E Rick completa: “ – Estava bêbado”.

Bêbado de paixão por Ilse Lund (Ingrid Bergman), com quem combinara fugir de Paris, no momento em que a cidade fora ocupada pelos nazistas. Todavia, a amada não aparece. Rick, sem saber, desesperado, parte para Casablanca, juntamente com o amigo e pianista Sam (Dooley Wilson).

O “Café do Rick” é o epicentro da vida na cidade: há discussões e ações políticas, bebida, cassino; enfim, é a vida que continua apesar da guerra.

Numa noite Rick é surpreendido pela chegada de Ilse. Esta pede a Sam que toque “As Times Goes By”. Enfurecido, Rick diz: “ – Tantos bares no mundo, você vem justo no meu!”.

Ilse é casada com Victor Lazlo (Paul Henreid), proeminente membro da “Resistência Francesa”, o qual necessita de um “salvo conduto”, para voar até Lisboa e, de lá,  para os Estados Unidos, a fim de continuar a luta contra os nazistas. Evidente, há nessa passagem um toque de nacionalismo exacerbado, ideológico, próprio do momento: a América como guardiã da democracia e liberdade.

Rick é durão. Possui os mesmos. Foram escondidos no piano de Sam, no momento em que Ugarte (Peter Lorre) foi morto a tiros no Café. Não que entregá-los.

Está dividido; se entregá-los, a amada Ilse vai embora com o marido. Este era tido como morto, quando se conheceram e se apaixonaram em Paris. Ao combinarem a fuga, ela descobre que Victor está vivo e por essa razão não comparece ao encontro com Rick. Todavia, somente lhe contará em Casablanca.

Entregar-se ao amor ou servir a causa da luta contra o nazismo? Uma importante questão ética: o que escolher? O amor ou a luta? Opta pelo pessoal ou o universal?

Rick brada o tempo todo que não se importa com ninguém. Não liga a mínima para a guerra. Porém, constantemente, é lembrado por seus feitos corajosos e até atos de heroísmo.

Num determinado instante do filme, uma jovem desesperada, recém-casada, procura-o. Pede ajuda para “conseguir” dinheiro, a fim de comprar dois salvo-condutos com o corrupto Capitão Renault. Rick finge não se importar. Sugere que o marido tente a sorte na roleta. Todavia, assente com a cabeça ao crupier que faça uma “mutreta”. O rapaz ganha. Obtém a quantia necessária. Rick é beijado pela jovem e pelo velho barman russo.

Como diz o Capitão Renault: “ – No fundo, você é um sentimental”. A frase é proferida ao final da história, quando tudo leva a crer que Rick fugiria com Ilse. Todavia, no último instante, embarcam ela e o marido. 

O filme termina com Rick caminhando ao lado do Capitão, combinando uma viagem. Vendera o Café. A luta continuaria até a vitória. Mais que um sentimental, Rick é o existencialista, aquele que escolheu o universal em detrimento do particular.

No caso de “Paris, Texas” a temática é outra. Primeira cena, plano geral – lembrando os planos de John Ford – no deserto do Mojave, Travis (Harry Dean Staton) caminha para o nada. Ao fundo, um cortante blues de Ry Cooder. O plano fecha no andarilho. Observado por um abrute, tenta em vão o último gole de água. Continua a andar.

Num posto de gasolina desmaia. No meio de suas parcas coisas, um homem encontra um telefone. É de seu irmão. Esse é casado, mora e trabalha em Los Angeles.

Ao receber a notícia, Walt Henderson (Dean Stockwell) avisa a esposa que Travis foi encontrado. Ambos criam o filho de Travis, o qual fora abandonado pelos pais, no momento em que a mãe (Nastassja Kinski) num acesso de fúria deixa Travis e vai embora.

O andarilho precisa se reencontrar, se refazer ontologicamente. Seu único contato com o real é Paris, pequena cidade inóspita, perdida no Texas, onde o pai de ambos havia adquirido terras.

Walt resgata o irmão Travis. Com muito custo consegue colocá-lo no automóvel. Passam por vários lugares, muitos percorridos anteriormente por Travis, até chegarem a Los Angeles.

Aos poucos, Walt começa a entender o desaparecimento do irmão, sua desconexão com o real. Fora abandonado pela esposa amada. Perdido, deixou o filho com o irmão e saiu, pela estrada do nada em busca de coisa nenhuma.

Na casa do irmão age como um estranho – de fato o é –, não consegue dormir, comer, enfim, fazer as coisas comuns que os comuns fazem.

O dia nasce – o plano abre – com Travis vislumbrando a freeway da varanda, com os calçados da casa enfileirados e engraxados.

Agora vem a parte mais difícil: reconquistar o filho perdido. Aos poucos Travis o faz. Além disso, abandonado muito pequeno, ele foi criado pelos tios, embora soubesse da existência dos genitores. Travis terá de criar um amor real para aproximar-se do filho. Terá de reaprender a amar. Sentimento que se perdeu no Mojave e na Pós-modernidade.

Tudo é irreal. Qual é a realidade do real? Pergunta o filme.

O discurso de um indigente é perfeito nesse sentido. O quanto as palavras não conseguem traduzir aquilo que desejamos. O velho Rick já o sabia.

O reencontro de Travis e a ex-esposa é absurdo. Para que consigam conversar no trabalho dela – um lugar onde solitários pagam para dizer e ouvir sacanagens, sem tocar a mulher –, o fazem por meio de telefones em cabines, nas quais não se pode ver o rosto. Travis faz uma imensa “ginástica” para falar, ouvir e, sobretudo, ver o rosto da amada.

Reencontram-se. Ele, ela e o filho. Para, em seguida, separarem-se.

Travis, o caminhante – espécie de andarilho nietzschiano –, parte com o filho, em sua velha Ford Ranchero, para algum lugar, sem rumo, na esperança de (re) fazer sua vida.

A película aborda, a meu ver, a incapacidade do diálogo, o silêncio entre duas palavras. Os conceitos que se perderam na Pós-modernidade. Porém, há alguém disposto a reconstruir seu mundo e o de outrem.

Enquanto Rick se volta para o universal, Travis fará o caminho inverso: fechar-se-á no particular. Travis e Rick se aproximam estranhamente.

Em “Casablanca” o filme se encerra com um plano aberto, em meio ao diálogo de Rick e o Capitão Renault. Em “Paris, Texas” o plano é fechado nos rostos de Travis e seu filho. Possivelmente, os planos sejam respostas também. No sentido de significarem o quanto o universal se particularizou em pequenos grupos.

De qualquer modo, ambos os filmes me fazem ler a busca de um homem – ou de alguns homens – que escolhe(m) lutar em favor daquilo que acredita(m) e defende(m), embasado(s) em Princípios e Ações.

Corta!