O hábito que habitamos – Ou deveríamos.

01/06/2017 13:12

Sábado foi um presente: tive o privilégio de desfrutar da leitura e posterior reflexão da lúcida coluna de meu queridíssimo e fraterno amigo, confrade, Gil Piva. Discorreu acerca de Educação. Tema espinhoso. Para dizer o mínimo.

Calma: não o farei. Depois de trinta e três anos, confesso, minha descrença e meu ceticismo em relação ao assunto, esgotou-me. Da Educação básica e pública não espero mais nada além de distância.

Telefonei para manifestar-lhe minha satisfação com as reflexões produzidas pela leitura.

Gil sugeriu-me que escrevesse algo sobre Ética – questão que permeia toda a textura de sua redação -, a fim de que, pudesse contribuir com proposituras, na medida em que, graduado em Filosofia e apaixonado pela questão, possa falar – sem arrogância – com alguma autoridade.

Pois bem, pelo fraterno amigo, aqui vai:

A palavra Ética é de origem grega. Significa, literalmente, “aquele que habita”. Se nos apresenta o primeiro problema: aquele que habita, não habita, coabita, isto é, vive em comunidade. “O homem é um animal político”. Ensinou-nos o filósofo Aristóteles. Quer dizer, somos seres sociais, da “polis”, da comunidade. Portanto, incapazes da vida solitária. Ainda que queiramos, necessitemos, optemos, por, momentaneamente, viver em solidão, é passageiro, temporário. Não é comum, muito menos humano. Logo, não somos “vocacionados” para vivermos só. Em tempo: na novela “Robinson Crusoé”, Daniel Dafoe – autor – criou o personagem “sexta-feira”, para fazer “companhia” ao “herói”. Ainda, no filme “Náufrago”, o personagem -real – vivido por Tom Hanks, elege uma bola de voleibol – Sr. Wilson – para fugir da solidão. Portanto, é imperativo, necessário e natural a convivência.

Assim, para podermos realiza-la, é mister que estabeleçamos regras, normas, as quais tornem viável esse convívio. Logo, uma conduta, uma postura, um caráter, constituem a tríade, a partir da qual tecemos as normas de coabitação.

Se nos mantivéssemos numa curta definição, essa é a base simplificada. Todavia, não simplista. No entanto, vale acrescentar: são normas, regras universais, isto é, válidas em todo o planeta. Não se alteram à luz de particularidades. Exemplifico: partamos do valor maior da Ética – a Liberdade -, qual seu significado? É o mesmo em qualquer buraco desse sistema solar. Não há liberdade “tropical”, “Anglo-Saxã” ou “Africana”. Liberdade é Liberdade. Ponto.

Vale salientar que muitos autores tratam Ética e Moral como sinônimos. Discordo. Entendo que são díspares: a primeira é universal, de certa forma, imutável, ao menos rígida; quanto a segunda, varia de acordo com culturas e tempos.

Calma: os valores éticos constituem-se a partir do conceito de virtude, palavra de origem latina, cujo significado é força. Potência, força que empregamos para realizar aquilo que entendemos ser necessário. Vigor na ação. Ética é ação! É prática! Práxis!

O conceito de virtude é mutável, quero dizer, transformou-se ao longo da história. Na Grécia Antiga, virtude redundava na coragem do guerreiro, àquele que enfrentava o próprio destino. Sim, os gregos antigos tinham a convicção de que éramos “presas do destino”. As Moiras – destino em grego – eram uma trindade de mulheres que teciam os fios – lembram-se da bobagem das “linhas da vida? ” – Cloto, Átropos e Láquesis – sorte em grego -, da forma que organizavam, entrelaçavam, se curto ou longo, sua história estava escrita. Caberia, portanto, realiza-la. O herói não foge ao destino. Aquiles ou é, pois, morreu em Troia, na Batalha, mesmo sabendo que ocorreria.

Durante a Idade Média, virtude é viver próximo a Deus.

Na modernidade, virtude é uma vida simples, próxima a natureza – vide Romantismo Europeu e Arcadismo brasileiro – cultivar o bem e reger-se pela razão. A razão esclarecida!

Contemporaneamente, virtude é força que empregamos – deveríamos – para respeitarmos os valores éticos. Quero dizer, discurso e prática se coadunam. Faço aquilo que defendo. Pratico minhas convicções teóricas. Se prego honestidade, é justamente por ser honesto. Defendo o respeito, por respeitar. Virtude, do francês “virtuose”, a excelência com a qual defendo, cumpro e pratico os valores éticos, fundamentais à convivência.

Por fim: ser ético, é ser virtuoso.

A moral, defendo, por ser constituída de particularizações, especificidades de uma cultura, de um povo, de um tempo, torna-se menor, mais afeita a “adaptações”, a arranjos.

No Brasil é moralmente aceito o famigerado “jeitinho”. Ainda que incorra numa aberração ética, “dar-se um jeitinho”, “quebrar um galho”, enfim, essa “lógica vagabunda”, não cria dramas ou problemas morais.

Portanto: “roubar um pouquinho”, “dar um chapéu, de vez em quando”, “uma mutretada”, sem problemas, “não é crime”. “Faz parte”. Odeio essa expressão.

Nossos valores morais diferem-se de outras culturas. Que ver: sonegar impostos – ainda que seja crime -, é um problema jurídico, econômico, ético, porém, não é moral, pois, argumenta-se – pior, não sem razão -, “Com essa carga tributária, abrirei falência”. Mentir na declaração de renda, não consiste em crime, fiscal ou jurídico, muito menos ético, apenas é um sinal de “malandragem”. “Ladrão que rouba ladrão. Sem anos de perdão”. É moralmente aceito aqui. No exterior é uma aberração. Sob qualquer aspecto.

Todavia, se estendermos a questão no terreno da Ética, fica ainda mais dramática: sonegar impostos, acarreta em diminuir a arrecadação dos mesmos, portanto, lesar a comunidade, na medida em que deixo de contribuir com o erário, subtraio recursos destinados a benefícios comuns.

Penso em Nietzsche: a moral são regras, valores, elididos na dicotomia bem e mal, cujo propósito é tornar possível a vida em comunidade. Todavia, a vida possível suscitada pelo filósofo, consiste num problema: é a vida gregária, de rebanho, a “moral dos escravos”, que amesquinha, apequena, empobrece.

“A Verdadeira moral zomba da moral”. Disse-nos o místico Pascal.

Se verificamos a diferença entre e Ética e Moral, é mais fácil, ou menos difícil, nos pautarmos na primeira. Em suma: ser Ético é responder e praticar três conceitos. Relacioná-los e conciliá-los: Posso? Devo? Quero?

Ora, aquilo que posso, é aquilo que devo? Que quero?

Aquilo que quero, é aquilo que posso? Que devo?

Aquilo que devo, é aquilo que quero? Que posso?

É fácil?

Ainda: três outros conceitos – ditos pelo meu querido professor, Mário Sergio Cortella – natural, normal e comum.

Natural é aquilo que nasce.

Normal é a norma, a regra.

Comum é aquilo que ocorre com frequência.

Então: não é natural roubar o dinheiro público. Não é natural permanecer numa escola onze anos e sair analfabeto funcional. Não é natural crianças abandonadas, espancadas e mutiladas. Não é natural mulheres agredidas e desrespeitadas. Não é natural a miséria e a exclusão.

Todavia: vale lembrar: também não são normais essas anomalias, pois, não são regras, não são leis; não estão escritas em lugar algum, como “obrigação”.

São comuns. Exato: ocorrem à exaustão! Com frequência.

Se naturalizarmos àquilo que é comum, pior, se passamos a tratar como norma, regra, a resposta Ética é simples, complexa, dramática: falhamos como projeto, como espécie.

PS: Querido e fraterno amigo, prometo, em outras colunas, dedicar reflexão a alguns filósofos em particular. Àqueles com quais tenho familiaridade, àqueles que gosto e leio mais, ou ainda àqueles que minhas limitações intelectuais permitirem.