O Crepúsculo dos Ídolos

19/07/2016 12:00
Sempre tive simpatia pelos “rebeldes e malditos”. Escolha ideológica, opção de vida. “.... Sinto uma simpatia por essa gente toda. Sobretudo, quando não merece simpatia”. (Fernando Pessoa). Ao mesmo tempo, sempre abominei aqueles que pretendem vender a imagem de “bom exemplo”.
Explico-me: aquilo que se é, ou se pretende ser, o é ou será, por meio de ações, de atitudes. Não se trata apenas de construir uma imagem. Mais cedo ou mais tarde, a máscara cai. Então, a decepção é gigante.
Começo pelo que execro: no campo esportivo atenho-me a ele, Pelé – o “alma branca” – que sempre procurou vender a imagem de bom moço, correto, integro. No entanto, ao praticar seu ofício, distribuía pontapés, cotoveladas, entradas desleais. Chegou a fraturar a perna de adversários. Porém, era o Pelé. Fora dos campos, em plena ditadura, foi ao Congresso Nacional, dizer aos parlamentares: “...O povo não está preparado para votar”. Nunca proferiu uma única palavra contra o racismo.
Bem disse outro futebolista, Romário: “Pelé de boca fechada, é um poeta”.
Cito também Kaká, jovem bem-nascido, cara de playboy, educadinho, galãzinho. Religioso, careta. Não se furtou a tornar-se garoto-propaganda dos ternos Armani, vendido a dois, três, cinco mil dólares cada, todavia, confeccionados às custas de trabalho infantil e escravo no Oriente. 
Além disso, tem sua estranha ligação com uma igreja cujos bispos estavam às voltas com a justiça, em função de evasão de receitas e estelionato.
Mantendo-me no campo esportivo, por outro lado, admiro um craque chileno, dos anos setenta, chamado Carlos Caszely. Inimigo do asqueroso ditador Pinochet, recusou-se a cumprimentá-lo. Deixou-o “no vácuo”, como dizem os jovens. Teve a mãe presa e torturada como resposta. Não esmoreceu. Continuou combatendo a maldita ditadura do país. Enfrentou-a. Nunca compactuou com os vermes do poder. 
Eric Cantona, craque francês, jogador do Manchester United. Nunca compactuou com os ditos poderosos. Nunca se eximiu de omitir opiniões ou se preocupou em criar imagem de “bom moço”. Ambos exemplos opostos à Pelé e Kaká.
Contudo, no Brasil, nos anos setenta, Afonsinho, médico e jogador, enfrentou a ditadura. Brigou pela liberdade, lutando contra a escravidão do passe. Politizado, emitia críticas à situação nojenta do país. Bem como Reinaldo, craque do Atlético Mineiro, afastado da seleção brasileira que faria um amistoso com a França, em 1982, em razão de “prestar declarações políticas contra o Brasil” na Europa.
Evidente que, corinthiano – devoto-demente, lúcido-equilibrado –, meus maiores “heróis” são do Timão: Sócrates, Casagrande e Vladimir. Sem dúvida, os dois primeiros tornaram-se mais marcantes, em virtude de formarem uma grande dupla no ataque e na vida real. Artífices de “Democracia Corinthiana”, combateram a ditadura no Brasil, opinaram em momentos críticos, posicionaram-se pelas “Diretas-Já”. Nunca admitiram a servidão no futebol. Falavam – e mais –, agiam com paixão.
Todavia, nunca se preocuparam ou quiseram criar a imagem de “bons exemplos”. Não escondiam gostar de álcool ou drogas ilícitas, porém, seus nomes ou atitudes nunca estiveram ao lado de vermes ditadores, poderosos, corruptos ou exploradores. Sempre estiveram ao lado de “causas populares”, em defesa intransigente da liberdade e da cultura.
Em 1984 Sócrates foi jogar na Itália, logo depois Casão também foi para Europa. Ao encerrarem as respectivas carreiras, Casagrande tornou-se comentarista esportivo. Ambos romperam.
Evidente que a admiração por ambos será permanente por tudo que fizeram dentro e fora dos campos. As razões não serão tratadas aqui, sugiro a leitura das obras de Casagrande e Gilvan Ribeiro.
Ano passado li o comovente “Casagrande e seus Demônios”, em que os autores comentam as razões desse afastamento e a reaproximação.
Ao assistir o programa “Resenha” na ESPN, soube que Casagrande e Gilvan Ribeiro lançariam o novo livro – que especificamente aborda a amizade entre Casão e Magrão – em pleno Memorial do Corinthians. Eu e a Jacqueline iríamos a São Paulo. Assim, o sábado pela manhã teve parada obrigatória em nosso templo no Parque São Jorge.
Compramos o livro, entramos em fila. Todos ansiosos, grande expectativa. Afinal é o Casão.
Pensei em conversar rapidamente. Dizer-lhe o quanto o admiro, como futebolista, comentarista e sobretudo como ativista e defensor de muitas coisas que também acredito e pelas quais também luto. Queria parabenizá-lo pela coragem de se expor ao publicar o livro anterior. Ao falar de forma clara e crua das drogas ilícitas de maneira a não legitimar seu uso. Sem moralismos ou discursos fáceis e vazios de autoajuda barata.
Finalmente chegou nossa vez na fila. Apertei sua mão, parabenizei-o e agradeci pelo que fizera. 
Casão estava frio, distante com todos. Com um ar blasé, meio cansado e parecendo irritado. Não demostrava nenhuma satisfação por participar do evento. Justamente onde é objeto de devoção da Fiel. 
Não sorriu ou saldou os torcedores, como entendo que deveria, por agradecimento e mérito; uma pequena devolução a tamanha gratidão de nós corintianos.
Foi decepcionante.
Continuarei a gostar do jogador, do corintiano. Do humano... já era. Foi o crepúsculo de um ídolo.

Sempre tive simpatia pelos “rebeldes e malditos”. Escolha ideológica, opção de vida. “.... Sinto uma simpatia por essa gente toda. Sobretudo, quando não merece simpatia”. (Fernando Pessoa). Ao mesmo tempo, sempre abominei aqueles que pretendem vender a imagem de “bom exemplo”.

Explico-me: aquilo que se é, ou se pretende ser, o é ou será, por meio de ações, de atitudes. Não se trata apenas de construir uma imagem. Mais cedo ou mais tarde, a máscara cai. Então, a decepção é gigante.

Começo pelo que execro: no campo esportivo atenho-me a ele, Pelé – o “alma branca” – que sempre procurou vender a imagem de bom moço, correto, integro. No entanto, ao praticar seu ofício, distribuía pontapés, cotoveladas, entradas desleais. Chegou a fraturar a perna de adversários. Porém, era o Pelé. Fora dos campos, em plena ditadura, foi ao Congresso Nacional, dizer aos parlamentares: “...O povo não está preparado para votar”. Nunca proferiu uma única palavra contra o racismo.

Bem disse outro futebolista, Romário: “Pelé de boca fechada, é um poeta”.

Cito também Kaká, jovem bem-nascido, cara de playboy, educadinho, galãzinho. Religioso, careta. Não se furtou a tornar-se garoto-propaganda dos ternos Armani, vendido a dois, três, cinco mil dólares cada, todavia, confeccionados às custas de trabalho infantil e escravo no Oriente.

Além disso, tem sua estranha ligação com uma igreja cujos bispos estavam às voltas com a justiça, em função de evasão de receitas e estelionato.

Mantendo-me no campo esportivo, por outro lado, admiro um craque chileno, dos anos setenta, chamado Carlos Caszely. Inimigo do asqueroso ditador Pinochet, recusou-se a cumprimentá-lo. Deixou-o “no vácuo”, como dizem os jovens. Teve a mãe presa e torturada como resposta. Não esmoreceu. Continuou combatendo a maldita ditadura do país. Enfrentou-a. Nunca compactuou com os vermes do poder.

Eric Cantona, craque francês, jogador do Manchester United. Nunca compactuou com os ditos poderosos. Nunca se eximiu de omitir opiniões ou se preocupou em criar imagem de “bom moço”. Ambos exemplos opostos à Pelé e Kaká.

Contudo, no Brasil, nos anos setenta, Afonsinho, médico e jogador, enfrentou a ditadura. Brigou pela liberdade, lutando contra a escravidão do passe. Politizado, emitia críticas à situação nojenta do país. Bem como Reinaldo, craque do Atlético Mineiro, afastado da seleção brasileira que faria um amistoso com a França, em 1982, em razão de “prestar declarações políticas contra o Brasil” na Europa.

Evidente que, corinthiano – devoto-demente, lúcido-equilibrado –, meus maiores “heróis” são do Timão: Sócrates, Casagrande e Vladimir. Sem dúvida, os dois primeiros tornaram-se mais marcantes, em virtude de formarem uma grande dupla no ataque e na vida real. Artífices de “Democracia Corinthiana”, combateram a ditadura no Brasil, opinaram em momentos críticos, posicionaram-se pelas “Diretas-Já”. Nunca admitiram a servidão no futebol. Falavam – e mais –, agiam com paixão.

Todavia, nunca se preocuparam ou quiseram criar a imagem de “bons exemplos”. Não escondiam gostar de álcool ou drogas ilícitas, porém, seus nomes ou atitudes nunca estiveram ao lado de vermes ditadores, poderosos, corruptos ou exploradores. Sempre estiveram ao lado de “causas populares”, em defesa intransigente da liberdade e da cultura.

Em 1984 Sócrates foi jogar na Itália, logo depois Casão também foi para Europa. Ao encerrarem as respectivas carreiras, Casagrande tornou-se comentarista esportivo. Ambos romperam.

Evidente que a admiração por ambos será permanente por tudo que fizeram dentro e fora dos campos. As razões não serão tratadas aqui, sugiro a leitura das obras de Casagrande e Gilvan Ribeiro.

Ano passado li o comovente “Casagrande e seus Demônios”, em que os autores comentam as razões desse afastamento e a reaproximação.

Ao assistir o programa “Resenha” na ESPN, soube que Casagrande e Gilvan Ribeiro lançariam o novo livro – que especificamente aborda a amizade entre Casão e Magrão – em pleno Memorial do Corinthians. Eu e a Jacqueline iríamos a São Paulo. Assim, o sábado pela manhã teve parada obrigatória em nosso templo no Parque São Jorge.

Compramos o livro, entramos em fila. Todos ansiosos, grande expectativa. Afinal é o Casão.

Pensei em conversar rapidamente. Dizer-lhe o quanto o admiro, como futebolista, comentarista e sobretudo como ativista e defensor de muitas coisas que também acredito e pelas quais também luto. Queria parabenizá-lo pela coragem de se expor ao publicar o livro anterior. Ao falar de forma clara e crua das drogas ilícitas de maneira a não legitimar seu uso. Sem moralismos ou discursos fáceis e vazios de autoajuda barata.

Finalmente chegou nossa vez na fila. Apertei sua mão, parabenizei-o e agradeci pelo que fizera.

Casão estava frio, distante com todos. Com um ar blasé, meio cansado e parecendo irritado. Não demostrava nenhuma satisfação por participar do evento. Justamente onde é objeto de devoção da Fiel.

Não sorriu ou saldou os torcedores, como entendo que deveria, por agradecimento e mérito; uma pequena devolução a tamanha gratidão de nós corintianos.

Foi decepcionante.

Continuarei a gostar do jogador, do corintiano. Do humano... já era. Foi o crepúsculo de um ídolo.