O Breve século que não acabou

22/01/2014 14:17

Em a “Era dos Extremos” o historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) denomina o século passado, como no subtítulo de sua fundamental obra. de “o breve século vinte”.  No seu entender este período inicia-se em 28.06.1914 - dia no qual o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando fora alvejado mortalmente na Bósnia Herzegovina - e encerra-se em de 1995 sofrendo os reflexos da globalização e do neoliberalismo.

O assassinato do representante do moribundo império austro-húngaro fora o estopim da “última guerra de trincheiras”, para fazer uso de uma expressão do mesmo intelectual. A efeméride, por si, é o bastante para empreendermos várias reflexões acerca do ocorrido. Lembrar a primeira Guerra Mundial (1914-18), seus resultados e consequências futuras, é um válido e necessário exercício, no âmbito da História, das Ciências Sociais ou da própria Filosofia. Não há dúvida. O mundo perdeu definitivamente a inocência: a máquina de matar tornou-se sofisticadíssima. O genocídio atingiu a casa das dezenas de milhões de mortos – sem contar feridos, desaparecidos e sequelados. O humano mostrou-se em sua pior face.

Na mesma obra,  Hobsbawm cita várias personalidades - artistas, cientistas, intelectuais - que, unanimemente, corroboram com a tese de que o século vinte foi o mais violento da história, independentemente dos avanços científico-tecnológicos. Ou seja, o conflito mundial foi apenas uma pequena amostra do que viria. Não nos esqueçamos das palavras do primeiro ministro inglês Winston Churchill (1874-1965): “A segunda guerra é a continuação da primeira”.

Salientemos que em razão de uma ou de outra, ou de ambas, várias beligerâncias ocorreram. Ao final da obra citada, o grande britânico conclui: “Se insistirmos nos erros do passado, fracassaremos”.

Qual a pretensão desse escrito?

Refletir nosso estado de coisas.

Pergunto: encontramos-nos em situação diferente do início do “breve século vinte”? Nossos ânimos para a animosidade arrefeceram? A história nos ensinou?

Certamente grandes eventos aconteceram ao longo do corrente ano. Discorreram acerca do catastrófico evento. Haverá reflexões, discursos, críticas, palavras de ordem em nome da paz mundial, da tolerância.

Porém, o humano mudou? Aprendeu a lição com a História?

Há mais de uma década no século vinte e um - terceiro milênio,  sinto-me obrigado a dizer: se houve mudança foi para pior, na medida em que a sofisticação da “indústria de morte” atingiu patamares absurdos. Não me refiro apenas ao belicismo militar, mas a todas as formas perversas as quais, direta e indiretamente, ceifam vidas. Exemplos: modelos econômico-políticos que são verdadeiras aberrações por insistirem na exclusão combatendo-a com assistencialismo barato. Figuras públicas cujo único propósito é locupletar-se do erário, sem nenhum remorso. Leis que se preocupam com a propriedade em detrimento da vida.

A violência desmedida tem respaldo no próprio Estado que ao propor uma legislação calhorda incentiva o crime. Mata-se o semelhante sem o menor pudor sob a égide da (in)tolerância. Intolerância essa que é a grande marca do fim do século passado e início desse.

O grande jornalista e escritor brasileiro Zuenir Ventura (1932), reserva moral do país, publicou uma obra intitulada “1968 O Ano que não terminou”. Creio que o mesmo possa ser dito a respeito do breve século vinte.