Muito Mais que um rapaz latino americano

05/05/2017 07:40

Sábado à noite, eu e meu irmão Zé Alexandre fomos ao Rafa. Um simpático boteco, localizado na Avenida Joaquim Eugênio de Lima, perpendicular à Avenida Paulista, em frente ao prédio da Gazeta, Galeria Gemini. Um agradável conjunto de bares. Em particular, o bar do Rafa tinha algo mais especial, meu amigo Zé Índio se apresentava no local. Magrelo, cabeludo, barbudo, baiano, formado em Filosofia na Universidade Católica de Salvador, desfiava clássicos da música popular brasileira, composições próprias e Elomar Figueira de Melo.

Passava da uma da manhã quando Zé Índio terminou a apresentação. Todavia, a noite estava tão gostosa que, evidentemente, não pararíamos de beber.

Confesso, já estava meio chapado de cerveja, de repente, um bigodudo, magro, entra no pequeno espaço do mezanino, acompanhado de um jovem, portando um violão. Senta-se e começa a cantar.

Me voltei a meu irmão e comentei: - Esse cara parece o Belchior!

Meu irmão respondeu: -“É o Belchior! ”.

A princípio o álcool não me permitiu confirmar. Porém, vamos curtir.

De fato, era o Belchior. Havia retornado de uma apresentação no Guarujá. Parou para “tomar uma” e voltar para casa.

No entanto, o evento transformou-se numa canja inesquecível.

Os pedidos por música foram acontecendo. Todo ou quase todo seu cancioneiro foi desvelado. Lindo!

Deixamos o bar por volta das seis da manhã, pouco antes do compositor.

Noite dionisíaca. Um desses grandes presentes do acaso.

Faz mais de trinta e três anos!

Recentemente escrevi uma coluna na qual refletia acerca da possibilidade de um esgotamento criativo dos artistas. Minhas ponderações centraram-se em Caetano Veloso, Gilberto Gil e inicialmente em Belchior. O cearense foi o mote do texto pelo agravante do desaparecimento. Sua retirada artística foi por mim muito sentida. Desde o início de sua carreira, Belchior me encanta com suas composições, permeadas por poesia da mais alta qualidade. Sobretudo “Fotografia 3x4”e “Tudo outra vez”, são músicas cuja temática aborda o desespero, o desencanto, a desmistificação de certos devaneios míticos, pautados numa lucidez lírica e ácida belíssimas. Além disso, o olhar do nordestino desembarcado na “cidade grande” na pele do próprio protagonista: “...Um rapaz novo, encantado, com vinte anos de amor...” (in Mucuripe). Toda sua poética temperada pelo grande Pessoa, com sua fala nordestina, no coração do Brasil.

Pois é, sumiu.... Ficou a saudade e sua obra imortal.

Ao ler no Domingo passado a notícia de sua morte, fiquei muito triste. Muito mesmo. A sensação era semelhante à da perda de um parente próximo, de amigo querido. Não deixa de sê-lo.

Tenho enorme admiração e uma dívida de gratidão com Belchior. Seu disco “Alucinação”- reputo um dos dez maiores de nosso cancioneiro – foi fundamental em minhas primeiras descobertas e reflexões. Um menino de dezesseis anos, cheio de sonhos e revoltas.

Belchior ajudou-me a elucida-las.

Enquanto escrevo esse texto, escuto – pela segunda vez – “Fotografia 3x4”. Comovo-me! Esforço-me para não chorar.

Desde Domingo sinto-me assim.

Dedicar-lhe a coluna foi uma espécie de “exorcismo” da dor.

Cortou minha carne, como em “A Palo Seco”.

Só o Corinthians para me alegrar um pouco.

É Nois Belchior!

Um Beijo!