Melodia Imortal

10/08/2017 23:10

Em 1975 fiquei encantado com um músico negro, carioca do Morro do Estácio, que se apresentou num festival de música promovido pela Globo. E não foi qualquer coisa. Participaram: Alceu Valença – cantando “Vou danado pra Catende -, Valter Franco – entoou “Cabeça” -, Djavan –  com a música “ Fato Consumado” -, o vencedor da disputa Carlinhos Vergueiro, com a música “Como um Ladrão”, Jorge Mautner, Hermeto Paschoal, Clementina de Jesus, que época!

A música que mais chamou minha atenção foi aquela cantada por negro carioca, magrelo, com voz anasalada e incomum, de nome, no mínimo diferente: Luiz Melodia. A música: Ébano. Empolgante e incomum. Recordo-me, na manhã seguinte, antes, depois e durante o futebol, toda a garotada cantarolava a canção. Um coquetel de samba, blues, rock, gospel, jaz, um caldeirão de riquezas. A cara do melo.

No mesmo ano, seu LP “Maravilhas Contemporâneas” trouxe uma preciosidade de nosso cancioneiro: “ Juventude Transviada”. Arrebentou em razão de ter sido usada numa novela da época. Em nome da justiça e da verdade: o disco inteiro é lindo. Maravilhas Contemporâneas e Congênito são obras primas. Coisa de gênio.

Todavia, descobri depois, em 1972 “Melô” já havia produzido seu maior trabalho: “Pérola Negra”. Sem exagero: um dos dez maiores discos da música popular brasileira. Abre com um choro: “Estácio, eu e você”. Altamiro Carrilho solando na flauta; em seguida: “ Holly Estácio” e, lógico “Pérola Negra”.

Luiz Melodia manteve-se firme: não cedeu ao mercado, ao sucesso fácil, à massificação, ao popularesco. Popular, na essência, a cara do Rio: “...A voz do samba sou eu mesmo sim senhor...”. Na sua voz ficou belíssimo.

Tive o privilégio de assistir várias apresentações de Melodia. Uma delas no Anhembi, em São Paulo, acompanhado do guitarrista Renato Piau, seu grande amigo e parceiro, cantou “O Broto do Jacaré” de Roberto Carlos. Lindo!

Em 1984, uma sexta-feira, à tarde, como sempre fazia, caminhava pela Avenida Paulista, constantemente visitava o acervo do MASP. Aproximando-me, ouvi um som. No vão livre do museu: Luiz Melodia e banda se apresentando. Parei, óbvio. Curti. Ao final, me aproximei do palco, na tentativa de cumprimenta-lo. Para minha surpresa, Melô foi extremante atencioso e generoso. Apertei-lhe à mão, abracei-o e agradeci por sua arte. Sorriu. Tímido e belo, surpreendeu-se com o tanto de paixão e conhecimento de seu repertório eu conhecia. Pelo fato de ser carioca. Havia – talvez ainda exista – essa imbecilidade de suposto bairrismo. A música e a Arte são maiores.

Comentei com Luiz de um belo texto que o então jornalista Miguel de Almeida, lhe dedicara, na Folha de São Paulo.

Melô sorriu agradecido.

A hora avançava. Tínhamos, ambos, de partir. Nos despedimos com um abraço.

Jamais esqueci.

Ainda o vi, novamente, no vão livre do MASP. Marcou o reggae: “Só”. “Tava naquela de dá dó…”

Confesso: Tenho dificuldade de continuar a escrever. Sério. Estou muito triste.

Perder o Belchior e o Melô, assim, de uma vez...

Porra Melô! Ainda não era a hora de partir.

“ Se alguém que matar-me de amor... Que me mate no Estácio...”

Um Beijo.

Até mais, Luiz.