Abaixo o tédio! Viva o ócio!

25/01/2014 14:20

Em sua coluna na Folha de São Paulo, publicada em 21.11.2013, o psicanalista Contardo Calligaris aborda o tédio como fundamental para o que chama de uma vida interior. Ao passo que, sua ausência subtrai da criança a fantasia, a erotização. Reflete o articulista: talvez seja uma estratégia dos pais, ocuparem seus filhos ao máximo, tirá-los do tédio, a fim de afastá-los do risco da fantasia sexual, a qual chama de saudável. Aquela cujo resultado será um adulto de verdade. E não o que é corrente: heterônomo, dependente e imaturo, que “recusa-se a crescer”. No curso do artigo cita Humberto Eco, lembrando que o intelectual italiano recorre ao filósofo da mesma península, Benedetto Croce (1866-1952), para citá-lo, num conselho aos jovens: “Envelheçam”.

Concordo com a exposição de Calligaris. Perfeita a citação do gênio Humberto Eco. Todavia, permitir-me-ei algumas reflexões.

 Ao menos na contemporaneidade há um incômodo com o silêncio, a solidão. “Não consigo ficar parado” / “Dormir é perda de tempo” - frases bastante repetidas pelos ditos dinâmicos, tridimensionais. Existe um medo da solidão, na medida em que ela nos obriga a um simples exercício de reflexão. Parece-me que traz o risco de tocar em “feridas” que devem ser apagadas ou escamoteadas. É comum encontrar a grande maioria dos jovens, quando  estão a sós, ocupando-se com longas horas nas redes sociais e muitas vezes com os famigerados fones de ouvido. Ocupam o tempo, mas não a cabeça. A vida é preenchida com “atividades”. Porém, nada reflexivo ou introspectivo. Talvez seja útil, à guisa de ilustração, lembrar um ditado medieval: “Mente vazia, oficina do demônio”.

Tédio e ócio, a meu ver, são entidades muito distintas. O primeiro é um sentimento que se apodera metafisicamente do ser, no sentido de funcionar como uma teia, a qual acinzenta coração e mente, proporcionando rancor, ressentimento, impotência. Enfim, psicologices a parte: um esfacelamento do ego. O outro é apontado desde a Antiguidade por filósofos, em especial Epicuro (341 A.C. – 270 A.C.) como o momento para atingir a felicidade, na medida em que possibilita-nos o distanciamento da rotina, de ocupações braçais e compulsórias, as quais (concordo) tomam nosso tempo. Assim, ociosos, estamos entregues ao nada, não a nadificação do tédio, todavia, ao vazio criador. Ao momento célebre da criação reflexiva, do ato mais nobre do humano: a reflexão, ao pensar com P maiúsculo. Ao Pensar Filosófico, para os mais ousados.

Pensamos efetivamente; afastamo-nos da mediocridade, do comum, do óbvio, da mesmice e, consequentemente, do tédio. Mantemos-nos “desocupados” dos afazeres burocráticos, muitas vezes inúteis. Portanto, amadurecemos. Se obtivermos êxito nesse intento, tornamo-nos adultos na acepção da palavra, ou seja, envelhecemos. Não ficamos ultrapassados, velhos no sentido pejorativo; mas, com vivência, mundividência.

Ouso dizer que se entendermos os conceitos tédio e ócio como sinônimo, minha inferência está equivocada. No entanto, se a semântica for a tratada acima, discordo conceitualmente do citado articulista.

Sempre digo a meus alunos: imaginem se Newton, ao invés de, ociosamente, encostar-se embaixo da macieira estivesse carpindo uma roça; o que seria de nós?