A vida sem limites

23/04/2014 14:42

Nunca me pautei em críticas para escolher preferências artísticas, literárias e/ou musicais; aliás, considero analistas, especialistas, críticos e afins, em sua esmagadora maioria, seres insensíveis – "maus generais de exército, que, não podendo invadir um país, contaminam-lhe as águas" como dizia Montesquieu.  Muitos gênios das artes foram rechaçados pela crítica, e não só em suas primeiras obras. Alguns anos atrás a Folha de São Paulo enviou, anonimamente, a diversas editoras um conto de Machado de Assis como autor iniciante à busca de publicá-lo; recebeu de algumas insossa recusa, a maioria sequer se deu ao trabalho de devolver o manuscrito.

Com Gabriel Garcia Márquez não foi diferente. Seu primeiro romance quase foi também o único e último.  Após enviar o manuscrito de “A Revoada (O enterro do Diabo)” para a editora Losada, renomada casa editorial argentina, ele recebe missiva do diretor da mesma informando-lhe que não publicaria suposto malogro e ainda o aconselhava a seguir outro ofício.  Ao talento e à genialidade deve-se somar a persistência e também a ousadia para se fugir às regras. Não foi diferente com a obra do genial escritor.

Conheci Garcia Márquez através de “Cem anos de solidão” e foi delirante, ao final do livro me sentia uma Buendía. Apreciei outros romances e também outros contos seus, mas não estava preparada para o que me aconteceria ao ler “O amor nos tempos do cólera”. Foi arrebatador! Belíssimo. Primeira leitura – devorei-o. Ao concluir, reli novamente – degustando-o. Leio-o sempre (meu exemplar teve que ser reconstituído, tão desgastado ficou). Regozijo-me com as aventuras de Florentino Ariza e Fermina Daza. Não tenho vergonha de dizer: tornou-se meu romance predileto, o livro da minha vida. (O filme conseguiu retratar as emoções, adorei a interpretação de Javier Bardem para Florentino Ariza e, melhor ainda, Fernanda Montenegro no papel de sua mãe, Tránsito Ariza, mas continuo ainda preferindo a leitura).

No interessante artigo intitulado “O resto é silêncio”, publicado na Folha de São Paulo (Ilustríssima), no domingo, 20/04, o jornalista e escritor colombiano Héctor Abad rememora a história de Garcia Márquez, seu conterrâneo mais ilustre, falecido em 17/04/2014. Na abertura do texto discorre ele sobre a morte: “Se um homem morre quando seu coração para de bater, então Gabriel Garcia Márquez acaba de morrer; se um escritor morre quando para de escrever, Garcia Márquez morreu em 2006... Mas se um escritor morre quando já não é lido, podemos dizer que Garcia Márquez seguirá vivo por muito tempo e morrerá somente quando não haja ninguém sobre a terra que saiba ler...”.

A homenagem no periódico é belíssima, mas discordo de Abad. Gabriel Garcia Márquez é imortal, não pela crítica ou pelos prêmios recebidos; viverá por cem anos e outros cem mil mais. Mesmo que insanos líderes destruam todos os livros ou que decidam que não mais poderemos aprender ou ensinar a leitura, enquanto pudermos acalentar em nossas almas sua fantástica e maravilhosa narrativa ele permanecerá vivo, sempre.

Não nos assustemos “com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites”!