A Lista do Zé

31/01/2017 14:39

 

Por diversas vezes declarei meu amor pelo cinema. Fundamental em minha formação intelectual, juntamente com a literatura, responsável pela descoberta de minha paixão e meu amor pela Filosofia.

Domingo último assisti a uma película que versava sobre a vida do cantor “folksong” Hank Williams. Não gostei. O roteiro se ateve basicamente a seus abusos com álcool e morfina. Praticamente ignorou sua imensa produção artística como compositor, músico e cantor. Autor de clássicos no gênero folk, influencia direta no rock and roll, no rockabilly.

Lembrei-me do filme de Oliver Stone sobre Jim Morrison e os The Doors. O “Rei Lagarto” foi mostrado meramente como um “doidão”. Novamente, o texto escamoteou sua criação artística e grande contribuição intelectual. Em ambos os casos não estou a defender que faça apologia de drogas, muito menos seu abuso. Todavia que não se esqueça do artista, do gênio.

Em meio a isso, na segunda-feira me pus a pensar no cinema. Daí me veio a ideia de uma possível lista de quais seriam os maiores filmes de sua história.

Evidente, toda lista, escolha, são subjetivos, afeitos a injustiças, esquecimentos e às vezes acertos.

Já produzi várias dessas. Diferentes. Essa que segue, adotou como critério um filme por década - qual teria sido o filme mais representativo de cada decênio, em minha opinião – desde os anos dez do século vinte.

De 1915 escolhi o “Nascimento de uma Nação” de David Griffith. A razão: o cineasta norte-americano é um dos pais da criação da primeira linguagem cinematográfica. Criou o “enquanto isso...”. Além de ser o pai do famoso “plano americano”, enquadramento que a câmera “pega” o ator até os joelhos com o propósito de garantir ao fundo outra ação. Destaca ambas. O filme é racista e “republicano”, no entanto, como riqueza cinematográfica, revolucionário, é belo.

“Metrópoles” de 1927, dirigido por Fritz Lang foi por mim indicado como o representante dos anos vinte do século passado. Auge do “Expressionismo Alemão”, o filme carrega na força e peso das imagens, a luz perfeita com o branco e preto e toda a dramaticidade que a dualidade das cores produz.  O filme é “futurista”, diria visionário com planos e enquadramentos inesquecíveis. Referência fílmica.

Anos trinta é indubitável: “Tempos Modernos”! Por tudo que Chaplin representa para o cinema. Roteiro brilhantemente ágil, música pungente, planos e enquadramentos memoráveis. Bela história e atual. Como clássico produzido por um gênio, jamais envelhecerá.

A próxima escolha é absolutamente pessoal, subjetiva e afetiva: anos quarenta “Casablanca”. Dirigido por Michael Curtiz em 1942, nas palavras do diretor: “- Um filme que tem política para agradar aos homens e amor para encantar as mulheres”. Perfeito. Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, a meu ver formam o maior casal da história do cinema. A música de Max Steiner eternizada. Lembra-se de Sam (Dooley Wilson), tocando e cantando “As time Goes By”? Roteiro impecável, eletrizante. Final impactante e “inesperado”. Planos e enquadramentos perfeitos, acadêmicos. Técnica e plasticamente, é o melhor filme da década? Não. Por que o escolhi? Amo essa película. Há outros melhores. Todavia, o meu é esse. É paixão!

Década de cinquenta: “I Vitellone” (Os Boas Vidas) de Frederico Fellini. O nome do mago de Rimini retrata a Itália do pós-guerra com outras tonalidades, muito diferente das pintadas pelo neorrealismo de um Rosselinni, por exemplo. O tom político dá lugar ao lírico. Lirismo característico de Fellini. Uma doçura um tanto amarga. Um híbrido de singeleza, aridez e sarcasmo. Porém a somatória é poesia expressa na forma de linguagem cinematográfica. Em minha opinião: o maior Fellini! Há outros? Óbvio. Mais uma escolha afetiva. Marcou minha infância. Assisti-o pela primeira vez na finada TV TUPI quando ainda contava dez, onze anos de idade. Frederico Fellini é um símbolo de cinema.

A década seguinte  minha lista recai sobre “Anjo Exterminador” de Luis Buñel de 1962. Importante frisar: a película disputou e perdeu a “Palm D’or” de Cannes para “O Pagador de Promessas” de Anselmo Duarte. Grande Filme. Porém, no meu entendimento e escolha subjetiva, a obra de Buñel é mais contundente e significativa. Filme surrealista, citado por Woody Allen em “Meia Noite em Paris”, aborda a burguesia de forma sarcástica e ácida, com seus dramas, preconceitos e mesquinhez. Inovadora, tira o fôlego do espectador na busca da compreensão racional do motivo pelo qual os convidados não saem da casa, não ultrapassam a sala. É psicanálise pura. Brilhante. Nessa década ainda há outro grande Fellini: Oito e Meio. Todavia, minha opção é o “Cão Andaluz”.

Os anos setenta tem eleição “ganha”. “O Último Tango em Paris” de 1972. Dirigido por Bernardo Bertolucci, ganhou mais notoriedade recentemente em face da polêmica de ter ocorrido um estupro na cena do sexo – digamos não convencional – entre Marlon Brando e Maria Schneider. Mais polêmica: independente disso, o filme é belo. Existencialista, tem Paris como pano de fundo, música exuberante de Gato Barbieri, Brando no seu apogeu cênico. Talvez tenha se superado ao interpretar Vito Corleone. Não sei optar. Diálogos curtos e pesados. Câmera rígida, planos longos, pesados e densos. Iluminação meio “noir” ou “noite americana”. Um Clássico! Poderia eleger “O Poderoso Chefão” de Francis Ford Coppola, todavia, marcou mais na primeira vez.

1984 é ano de um dos filmes da minha vida: “Paris, Texas” de Wim Wenders. Arrebatador. Já dediquei uma coluna a essa paixão. O primeiro plano é digno de John Ford. Aberto, no deserto do Mojave, com Travis a caminhar e um blues cortante de Ry Cooder. Escrevo, recordo e sinto o arrebatamento hoje. Impactante. Uma rica linguagem para descrever a incapacidade de nos comunicarmos. Roteiro magnífico de Sam Shepard. Mais um casal emblemático: Harry Dean Staton e Nastassja Kinski. Travis ainda caminha comigo. Plano e enquadramentos inesquecíveis. O mais ianque dos filmes germânicos. Química perfeita. Toda racionalidade de Wenders permeada pelo inconsciente, irracional, passional. Paixão pura. Todavia, hegelianamente, o filme se constrói. Uma das maiores obras de toda história do cinema.

Oito anos depois, mil novecentos e noventa e dois: “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood. Perfeito! Aula de cinema. O velho Clint em sua melhor forma. Revigorou e revolucionou a maneira de filmar “westerns”. Reverente e devotado a Ford, Hawks, Peckinpah, modifica por completo à leitura dos cowboys. O mocinho inicia o filme chafurdado numa pocilga. È um bêbado que perdeu a pontaria. Treme e hesita. A possibilidade de ganhar “algum” como recompensa proposta por prostitutas, mutiladas por inescrupulosos, capitaneados por um xerife “do mal”, levam Will Munny (Clint) e Ned Logan (Morgan Freeman) – lhe devo uma coluna – à caça dos delinquentes. Não o fazem pela justiça, porém, pelo dinheiro. Todavia, a cena muda. Passa a ser opção. Munny se transforma num vulcão em erupção! É Nietzsche total! Caralho! Que filme!

Nessa década há outros? Como esse? Nem pensar!

Primeira década do século vinte e um. 2005. “Cidade de Deus”. Impecável. Planos e enquadramentos impressionantes e revolucionários. Basta recordar do Traveling 360, quando Buscapé se depara com a gang do Zé Pequeno e a Polícia. A sequência antológica da câmera perseguindo a galinha. O momento da morte de Cabeleira: o plano se abre, geral e aéreo, com o mestre Cartola a cantar: “Deixe-me ir, preciso andar...”. SUBLIME! Aula de Cinema. Roteiro e direção perfeitos. Crueza, aspereza nos diálogos, como a vida na “Cidade de Deus”. Não há esperança ou discurso “pra cima”. É a vida. Estética e tragicamente esculpida. Revejo sempre.

Há outros nessa década? Dúvido!

Por fim, nessa década: “Meia Noite em Paris” de Woody Allen. Mencionado acima. Qual a razão da escolha? A película inicia com fotografias de Paris e com a música de Sidney Bechet. Não necessita de mais nada! Faz machões chorarem nas primeiras cenas. É o velho Woody Allen na plenitude. Minha opinião: é seu maior filme! Roteiro inteligente. Brinca com o sonho de viajarmos no tempo. Com uma crença de que o passado foi melhor. A equivocada ideia de que seríamos felizes noutros tempos. Há um comentário do babaca pedante bastante pertinente nesse sentido. Psicanálise e humor na medida certa. A busca de Gil e seu encontro. Consigo e com Paris. Sublime. Além da mística de reencontrarmos Hemingway, Fitzgerald, Picasso, Gertrude Stein, Cole Poter e os loucos anos vinte. Fantasia, imaginação. O onírico do cinema em estado bruto.

Enfim. É minha lista. Gostou?

Então, faça a sua.