A Banalidade do Mal – II

15/03/2017 22:48

Semana passada não fiz menção ao “Dia Internacional da Mulher”. Escolhi não fazê-lo. Primeiro em razão de coincidir com a proximidade da data de aniversário de meu filho. Assim, optei por dedicar-lhe algumas linhas. Além de merecê-lo, por razões pessoais, entendi que moral e eticamente, devia.

Não errei. Perseu se emocionou muito. De quebra, recebi os parabéns públicos de meu amigo Henrique – o “Frangão”. Valeu.

Quanto à data relativa às mulheres, confesso, é constrangedor pensar que deva existir. Calma. Explico: uma data para enaltecer a importância das mulheres; lembrar que são dotadas dos meus direitos que os homens; que devam ser respeitadas, enfim, é absurdo.

Pior: passado o dia,talvez, no mesmo, continuam espancadas, exploradas, agredidas e vilipendiadas.

A esse respeito, quero destacar uma grande mulher. Exemplo sob todos os aspectos: a filósofa Hannah Arendt. Já dediquei algumas linhas a ela. Todavia, não custa repetir.

Judia-alemã fugiu da Alemanha nazista. Emigrou para os Estados Unidos. Lá, lecionou na Universidade de Nova Iorque.

Com carreira estabelecida. Reconhecida pelos méritos intelectuais e postura firme. Foi convidada pela revista “New Yorker”, como observador, redigir um texto a cerca de suas impressões no momento do “julgamento” do criminoso nazista Adolf Eichman. Preso na Argentina, levado a Televive, a fim de ser julgado pelos crimes cometidos durante o Holocausto.

Hannah observou que se tratava apenas de idiota. Burocrata, acéfalo – próprio dos nazistas e simpatizantes -, apenas cumpria ordens. Fossem quais fossem. Indiferente ao “trabalho” ordenado cumpria.

A filósofa acompanhou estarrecida que seus arguidores eram iguais, isto é, queriam condená-lo, por condenar. Justiçamento. Agiam igualmente aos nazistas.

Desenvolveu a teoria nominada “Banalidade do Mal”. Quer dizer, pratica-se a maldade sem nenhum problema ou constrangimento. Torna-se algo comum, banal. Matar é igual a deixar viver. Mata-se por matar.

Vale como ilustração à assertiva de Arendt no tocante a ação genocida de Israel, quanto a “política externa”. É um Estado Nazista. Práticas genocidas iguais aos germânicos. Basta verificar o tratamento dado dos árabes em geral e aos palestinos em particular. Alguma dúvida?

É bom que se diga: não são todos os judeus que comungam disso e apoiam. Há opositores ferrenhos.

Também não quero dizer que todos os árabes são “virgens puras, indefesas e inocentes”.

Volto ao tema “Banalidade do Mal”: nessa semana o assassino, ex-goleiro Bruno, conseguiu liberdade, mesmo condenado a vinte e dois anos de prisão. Vai aguardar solto o julgamento de um recurso. O assassino matou e ocultou o cadáver da jovem Eliza Samúdio. Grávida de um filho dele. Saiu da prisão. Agora casado. Voltou a jogar futebol. Foi contratado por um clube de Minas Gerais. Em que pese protesto de moradores da cidade e do Brasil. Patrocinadores se recusaram a manter o nome de sua empresa na camisa do clube que tem um “goleiro de morte”.

Ironia: o time se chama “Boa Esporte”. O único cujo matador não é um atacante, é o goleiro.

A menos de uma semana da celebração do “Dia Internacional da Mulher”, a mãe da vítima é obrigada a engolir a seco e ver o algoz de sua filha solto, “trabalhando”, como se nada houvesse.

Matou é daí?

Menos de sete meses é o bastante para ceifar uma ou duas vidas?

E quanto à dor daqueles que ficam?

Tudo bem era só uma vagabunda... Dizem muitos.

Esse é ponto. Trata-se de mais uma mulher. Vítima por se-la e vítima da “banalidade do mal”.

Tão logo o assassino passe a fazer “grandes defesas”, será o suficiente para muitos esquecerem quem é.

E os batedores de panela? Fizeram o que fizeram, sobretudo por tratar-se de uma mulher. Pois, a corrupção masculina continua, porém, com o golpista no poder e agora falam em manter a “governabilidade” em não desestabilizar a república.

É exagero?

Homenageio as mulheres mais importantes da  minha vida: Jacqueline, Isabelle e Sophia.

Um Beijo.

Amo-as.

Para elas e para todas as mulheres, uma homenagem, não minha, mas do poeta Vinicius de Moraes.

 

 

“...E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tende píedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta - que o homem não presta, não presta, meu Deus!

Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.

Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçada
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e de sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados - sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim.” In, Desespero da Piedade, Vinicius de Moraes.