A agressão aos professores : a Banalidade do Mal, comum é normal?

08/09/2018 22:40

As notícias de agressões a professores ocorridas nas unidades de ensino sempre foram cotidianas.

Evidente, entendendo-se por agressão não somente o ato físico, porém, ofensas verbais, gestuais, vilipêndios de toda ordem. Principalmente aquelas que se dão no plano psicológico.

Alardear o problema, alegando que essas agressões são a resultante de uma sociedade violenta, que seus protagonistas reproduzem o ambiente doméstico ou do entorno, tenho certeza, é muito pouco. É reduzir demais o problema a um simplismo descabido. Adicionar essas variantes a questão, sem dúvida, é lícito. Todavia, não a explica.

Entendo que o drama se desenvolve a partir de um pervertido caleidoscópio: além das proposições apontadas acima, há outros fatores que agravam a situação, os quais, procuraremos discorrer.

Há muito a Educação é objeto de desresponsabilização do poder público. Afirmo-o nas três esferas. A Educação limitou-se a uma peça de retórica. É lembrada como mero discurso proselitista. Apontada como prioridade número um. No entanto, os grandes recursos destinados a ela – sim são muitos -, são pessimamente aplicados. Desde reformas em calçadas, despesas com policiamento, uso irresponsável na compra de merenda e materiais. Algumas vezes, esse uso não é somente irresponsável, porém, criminoso. Como noticia a grande imprensa. Numa palavra: os recursos são desperdiçados.

Outro lado dessa ação irresponsável reside no fato de que os salários pagos aos profissionais da Educação são ridículos. Vergonhosamente baixos. Não há uma carreira. Não há atrativos profissionais. Como se pretende obter saltos qualitativos, se não há um número exequível de profissionais para impulsioná-lo? Via de regra, mantem-se a lógica do “fingem que me pagam e faço de conta que trabalho”. Repudio essa prática. Na melhor das hipóteses, a busca pela necessária e merecida sobrevivência, obriga a jornadas diárias infindáveis, as quais, em grande quantidade, comprometem a qualidade do trabalho.

Doenças, ausências, são parte dessa descontinuidade do trabalho pedagógico, ou mesmo, de sua completa inexistência.

Agrava-se o quadro da desresponsabilização do poder público, com a proliferação de instituições de ensino sem qualidade ou critério, as quais, oferecem a baixo custo, cursos baratos para aqueles que sem condições de competir com vagas em universidades de qualidade e renome, em sua maioria, instituições públicas, matriculam-se para corroborar com a ilusão da ascensão social por meio do “curso superior”. Em sua maioria, os cursos são de licenciatura. De pouquíssimo investimento, arregimentam contingentes das camadas baixas da sociedade, uma vez que, encontram no exercício do magistério básico e público, uma chance de empregabilidade. Na medida em que, como não se exige para contratar, não se pode “exigir” para receber.

Não se escolhe ser professor. “Vira-se” professor!

Profissionais malformados, construirão péssimos estudantes, dos quais, muitos também tornar-se-ão professores.

Não existe política salarial. No Estado mais rico da União, os profissionais da Educação estão com os vencimentos totalmente defasados.

A alegação de falta de recursos não se sustenta, pois, esse mesmo Estado gasta de forma perdulária com aquilo que verdadeiramente julga prioritário, que nem de longe, atende o que deveria ser prioridade da população.

A política salarial é substituída pelo “Bônus”, um valor pago no primeiro semestre, cujas regras são obscuras e não explicitadas.

Importante: não é possível reduzir o problema a questão salarial. É uma roda viva perversa. Paga-se mal, executa-se mal e o resultado é péssimo e incorrigível: exércitos de jovens são jogados às ruas, quer para o subemprego, quer para o desemprego, quer para a marginalidade, ou prior, para os cursos baratos nas instituições de qualidade duvidosa ou nenhuma qualidade.

Que profissão escolherão? A mais viável: “virar professor! ”

Ainda no terreno da desresponsabilização: o vácuo produzido por ela, reforça a falsa ideia de que o poder público pode e deve ser substituído da tarefa de geri-la. Assim, além de movimentos que defendem a privatização da Educação, surgem os pseudo especialistas no tema. Há um número cada vez maior de gente que fala de “escola pública”, com uma pretensa autoridade, sem, no entanto, nunca ter pisado numa sala de aula de Educação Básica Pública. No máximo na Universidade, cujo mundo é outro.

Economistas, administradores, médicos, psicólogos, matemáticos, cientistas, jornalistas, dentre outros “profissionais”, travestiram-se de entendidos no assunto. Apontando, desde soluções mágicas, estúpidas e irreais a completa e exclusiva responsabilização do professor pelos sucessivos fracassos.

Para reforçar a vigilância orwelliana na Educação, criaram-se os famigerados índices. Esses se tratados friamente, não dão a justa medida do problema. Além disso, isolados, não apontam para possíveis soluções do drama.

Para finalizar esse item: Se queremos pensar em responsabilidade do poder público quanto à Educação, observemos os exemplos de Coréia do Sul, Finlândia, Portugal, para citarmos alguns.

Como o Japão ressuscitou após a Segunda Guerra Mundial? Investiu de quarenta e cinco a sessenta por cento de seu PIB em Educação!

Observe-se a Coréia do Sul hoje. Seu crescimento se explica pelo investimento sério em Educação. Sobretudo no cerne do problema: o professor. A valorização da carreira.

Não pode ser peça de retórica. Todavia, deve ser política pública.

Por que as carreiras no Judiciário são tão valorizadas? Simples: carreira e salários atraentes.

Não há mágica.

Em tempo: não corroboro com o discurso “vitimizado” dos profissionais da Educação. Pela falta ou má formação, são coniventes com a situação, no sentido do descompromisso com a causa em si. Também não estudam e não querem fazê-lo. Ainda que o poder público também não ofereça uma formação decente.

Todavia, em meio a essa teia de desmontes e irresponsabilidades constitui-se, de forma subliminar e invisível uma resultante mais devastadora: a perda da autoridade dos professores, a invalidação da autoridade dos professores.

                                                         O professor, no exercício de suas funções e a escola, no cumprimento de seu papel, encontram-se frequentemente dissociados e apartados da contemporaneidade, não por escolha consciente, mas por força das circunstâncias do cotidiano.

                                                                 No dia-a-dia, o professor se envolve irrefletidamente com múltiplas tarefas e com múltiplas                                                   funções. Esse envolvimento, por vezes, obscurece aquela que deveria ser a sua maior característica, o exercício do livre pensamento. As marcas do tempo e o peso do passado ofuscam as potencialidades intelectuais necessárias ao exame cuidadoso das realidades presentes e representadas no cotidiano escolar. Por mais artificial que possam ser os espaços e os tempos escolares, todos os sujeitos da escola são desafiados pelas demandas do pertencimento, pelas urgências do instante presente. Uma das melhores maneiras de se reconhecer como ligado aos outros por intermédio da realidade cotidiana é promover deslocamentos, ou seja, provocando em si e no outro a percepção de insatisfação, mas não de fuga. Distanciamento crítico não significa alheamento ou indiferença. A percepção das fraturas da realidade escolar demanda e exige investigação e reflexão produzidas por quem, ao se afastar, identifica e investiga problemas para além da aparente normalidade. Mesmo que as cenas cotidianas apareçam espetacularmente iluminadas, atos marcados por alienação e por irresponsabilidade podem sinalizar quão necessário é sermos cada vez mais contemporâneos de nós mesmos, para agirmos com maior autoridade em favor da escola como espaço público, de fato. (Ademilson de Sousa Soares, p.841)1

Basta constatar, simultaneamente, o mesmo acontece com os policiais militares. Aqueles que eram temidos durante a ditadura. Hoje, não recebem atos de respeito, nem temor, apenas vilipêndio e enfrentamentos, protagonizados por crianças e adolescentes, os quais colocam em xeque sua autoridade.

Em poucas palavras: o descaso do poder público, em particular na Educação, corroborou para a construção de jovens afeitos à defesa daquele que julgam direitos, no entanto, anômicos ou heterônimos, incapazes da autonomia e do cumprimento de responsabilidades básicas.

Em tempo: conceituo autoridade no sentido pleno do termo, isto é, um postulado legitimamente construído, com base em preceitos cognitivos, éticos, morais e estéticos. Quer dizer, posturas e ações reconhecidos por direito, no exercício cotidiano de seus desempenhos profissional e pessoal.

Ninguém contesta a autoridade de um médico, enquanto profissional capacitado para aferir problemas de ordem fisiológica ou patológica, muito menos no poder de emitir sugestões de soluções para superar os possíveis problemas.

Não há como contestar a autoridade de um advogado, ao avaliar questões que tangem legislação, cumprimentos ou descumprimentos de direitos e responsabilidades.

É incontestável a autoridade de um engenheiro civil quanto ao juízo emitido em uma obra.

Por que se contesta e vilipendia a autoridade de um professor?

 

A Escola dos Bárbaros

A outra face das Górgonas

 

 

O descaso do poder público não se limita a Educação, espalha-se por toda a gama daquilo que chamamos “direitos”, responsabilidades do Estado.

Não há política pública de Cultura, lazer, entretenimento. Existem iniciativas pequenas e de pouco alcance.

Esse vazio é ocupado de várias maneiras: basicamente, atingimos uma suposta democracia, aquela que se limita ao consumo. A suposta facilitação do crédito, a universalização dos cartões magnéticos para os pobres, a avalanche de sítios e canais de televisão que nos compelem ao consumo irresponsável e desenfreado, gestaram o monstro, cuja “felicidade” reduz-se a aquisição imediata de bens ou de coisas que agradem. Isto é, uma horda de hedonistas que bailam entre o ócio alienado, o consumo desenfreado, ungidos pelas “selfs” postadas nas redes sociais.

É imperativo “ser feliz”! Entendido aqui no sentido mais vazio e estúpido do termo, ou melhor, na total falta de sentido.

A sociedade do desejo! Desejo desprovido de “Eros”, de “Páthos”, de vontade de potência!

Desejo alienado e mesquinho.

“Desejo, logo, é meu direito”.

É o mundo do “Eu quero! ”, “É meu direito! ”.

Os jovens não admitem ouvir não!

Mimados e chorões, cresceram sob a nefasta superproteção e justificados com o cínico discurso do “medo de crescer”.

Não lhes é imputada ou exigida uma responsabilidade.

Crescem na certeza de que o mundo é constituído de direitos e desejos apenas.

Da mesma maneira que se defendem ferrenhamente os direitos das “minorias”, dos animais, da ecologia, que se apresentam de maneira fundamentalista na cobrança ou acusação de um preconceituoso, homofóbico, racista ou quem quer que seja; são incapazes de minimamente, respeitarem aos pais, professores, mais velhos ou mesmo, ao próximo. Egoístas e egocêntricos.

São protegidos por discursos e práticas calhordas que os corroboram. São coniventes com a irresponsabilidade.

Tempere esse drama com o uso indiscriminado e burro de drogas lícitas e ilícitas. Temos uma situação para lá de explosiva.

Creio que esse é parte do drama da propalada “crise de valores”, a qual é agravada pelos seguidos péssimos exemplos de adultos anímicos ou heterônomos, cujas práticas de corrupção, omissão e descaso com o mundo e com o outro são comuns e banais. Reforçam as certezas de que o “crime compensa”. Confundem honestidade com idiotice.

Escancaram a tese do sucesso a qualquer preço. Primeiro eu, dane-se o mundo.

Se o suposto adulto é incapaz da autonomia, como exigi-la do jovem?

Hannah Arendt

A filósofa judaico-alemã desenvolveu a teoria por ela nominada “banalidade do mal”, ao assistir estupefata ao “julgamento” do criminoso nazista Adolf Eichmann em Israel. Constatou que se tratava de um idiota, um mero imbecíl que cumpria as ordens que lhes eram dadas, sem questioná-las. Como um burocrata qualquer. Todavia, seus juízes – por que não dizer algozes – colocavam-se na mesma posição. Com o mesmo ódio, não pretendiam julgá-lo, porém, condená-lo de antemão. Praticar o mal na mesma medida. Fazer justiça com as próprias mãos.

Foi execrada pela comunidade judaica ao defender sua posição.

Combater a barbárie do Estado com a mesma barbárie não parece o mais adequado.

Vale lembrar o exemplo de Nelson Mandela: eleito presidente, constituiu sua escolta com os mesmos policiais que o mantinham no cárcere, para o qual foi levado em condição de prisão perpétua.

Verifique-se a ação política de Israel hoje. Sua política externa violenta e belicista não lembra, ao menos, de seu algoz?

Normal, Natural e Comum

Mario Sergio Cortella explanava durante palestra, proferida da UNICSUL em 1997, acerca dos três conceitos, ao abordar o tema Ética.

Diz o filósofo: natural é aquilo que nasce. Normal é a norma, a lei, a regra. Comum é aquilo que acontece com frequência, a exaustão. Portanto, dimensionar, compreender, diferenciar esses conceitos é fundamental.

Ora, algo que é natural, não pode ser normal. Pode ser comum. Algo que é normal, não é natural, pode ser comum. Algo que é comum, não é necessariamente natural e muito menos normal.

Exemplifiquemos: Uma criança nasce. É natural que tenha direito à vida, a liberdade e a dignidade. No entanto, se há muitas crianças em condições de abandono ou miséria, não é natural, não é normal. Não nasceram para isso, muito menos, não há uma lei que obrigue a isso.

É comum? Esse é o problema.

Um político roubar dinheiro público, não é e não pode ser normal, muito menos natural. É comum? Esse é o problema.

Nossa ação Ética deve-se pautar naquilo que é comum. Na naturalização das aberrações “legais” e ilegais, provocadas de maneira antinatural pelos humanos.

Portanto, agredir professores, tornou-se comum. É natural? É normal?

 

A resposta do Drama ou um Dilema?

Apresentar o problema da agressão aos professores como algo comum, não é suficiente. Isso parece patentemente óbvio. Não há objeto de discordância. Todavia, naturalizar o problema, é uma aberração da pior espécie. Muito menos entende-lo como normal, fruto de uma sociedade doente. Não há uma lei para isso. Tratá-lo como algo comum é o ponto de partida.

Todavia, reduzi-lo a soluções dentro da própria Escola é descaramento. É canalhice! A Escola está ou é impotente!

Para dentro dela foram jogados todos os problemas e sujeiras de uma “sociedade doente”, sem que houvesse uma política pública para enfrenta-los; sem que houvesse qualquer aparelhamento para resolvê-los.

Os casos continuam se repetir – são comuns -, o que faremos?

Soluções paliativas, demagógicas e simplistas se comprovaram ineficazes.

Percebam que os comentários produzidos pelos agredidos, dão sempre conta de que o ato bárbaro se deu em função de questiúnculas, coisas banais. Bate-se, apanha-se por nada.

Não é a banalidade do mal?

Recordo-me de uma passagem da bela película “Cidade de Deus”. No momento em que Zé Pequeno e seu bando retornavam do ataque a casa de Mané Galinha, Pequeno estava com um ferimento no braço, a seu lado, um dos capangas, “pilhado” e eufórico rememorava o ocorrido, a fim de estabelecer uma ligação entre ele e Zé.

Por pura falta de paciência, Zé Pequeno saca a arma e dispara contra sua cabeça. Mata-o. Pronto.

Matou por matar.

Soa, absurdamente, como um “Imperativo Categórico” pervertido.

Justifica-se a barbárie pela própria barbárie.

“ – Bati porque não concordei com o professor”.

Afinal de contas: um profissional cuja imagem é cotidianamente vilipendiada, ridicularizada, que se transformou em sinônimo de fracasso, profissional e financeiro. Como respeitá-lo?

Num mundo que “glamouriza” o crime e o criminoso. Aplaude-se o “rouba mas faz”!

Basta reparar minimamente: qualquer concurso público, cuja exigência é de nível médio, oferece salários muito maiores e mais atraentes que aqueles pagos na Educação.

Em suma: respeita-se àqueles que são postos nessa condição de respeito. Como um jovem, de modo geral, pode reconhecer méritos naqueles que adentram as salas de aula como sinônimo de fracasso e derrota?

Por favor: não me venham objetar que a tecnologia resolve o problema. É uma falácia! Tecnologia é importante, porém, não é a salvação do mundo.

A atenção do jovem é conquista se esse reconhecer sentido no trabalho do professor. Para isso, é necessário que esse labor se legitime no cotidiano.

A autoridade do professor é algo construído por ele. Demanda tempo, conhecimento e formação.

Se houver salários dignos...melhor.

 

“.... Contudo, uma coisa é clara. Se a humanidade que ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade, é a escuridão”.

Sentenciou Eric John Hobsbawn na obra “Era dos Extremos”.